segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

TROCANDO IDEIAS EM RELAÇÃO AO ENSINO RELIGIOSO....

DISCUSSÕES COMENTADAS

As escolas devem oferecer ensino religioso?

Karla Hansen

Apresentação

A lei 3.459, "Sobre o Ensino Religioso Confessional nas Escolas da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro" recém aprovada pelo governo do estado, mobilizou a sociedade, que se manifestou vivamente através dos meios de comunicação.
Pela lei, a escola pública será obrigada a oferecer ensino religioso confessional desde a alfabetização até o ensino médio, sendo que, no caso de menores de 16 anos, os pais ou responsáveis pelo aluno é que decidirão, no ato da matrícula, se desejam ou não o ensino religioso e escolher qual o credo. Visando a aplicação da lei, já no próximo ano, o estado abriu concurso público para contratação de 500 professores para o ensino religioso, sendo 342 para ensino do credo católico, 132 para o credo evangélico e 26 para os demais credos.
Conforme publicado no último dia 18, no site da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, o ensino religioso será uma disciplina facultativa e deverá ser "ministrado em caráter confessional e plural, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa, sendo vedadas quaisquer formas de proselitismo".
Sensível ao tema e à polêmica gerada em torno dele, o Portal da Educação abriu espaço no "Discutindo" para ouvir a opinião dos educadores e demais interessados em participar do debate, que foi bastante significativo e crítico e refletiu bem a complexidade do assunto.

Religião Confessional x Religiosidade

Ainda que concordando em alguns pontos, de modo geral as opiniões quanto ao ensino religioso nas escolas foram bastante divergentes, variando entre aqueles que se mostraram favoráveis à lei e destacaram sua importância, e outros que rejeitam o que se entende por proselitismo do ensino religioso confessional, defendendo um ensino não-obrigatório e voltado para o ecumenismo.
Percebemos em todas as opiniões o reconhecimento de que há uma demanda social pela valorização da ética e que, nesse sentido, o ensino religioso, principalmente por seus aspectos antropológicos e filosóficos, poderia ocupar um espaço importante e necessário na formação do aluno.
Ressaltando os valores humanos que estão contidos em todas as manifestações religiosas e a importância de se cultivar esses mesmos valores na formação de jovens, Alexandre Rodrigues Alves expõe seu pensamento de modo claro e sucinto.
"As escolas confessionais, sim, devem oferecer ensino religioso. As escolas leigas ou públicas podem oferecer, sim, desde que seja ecumênico, aberto a todas as religiões, buscando apresentar os aspectos positivos de cada uma, sem restrições, nunca buscando fazer proselitismo religioso. É muito interessante para os jovens que tenham acesso à riqueza das crenças, da história das religiões - que se confunde com a história do homem".
Outros participantes tiveram opinião semelhante:
"A religiosidade é muito importante, principalmente quando o ser humano está cada vez mais alienado dos princípios fundamentais da vida, e os jovens com acesso a jogos de computador que banalizam a morte e o sofrimento. Entretanto, precisamos considerar que o ensino público está extremamente deficiente, muito mais que os templos religiosos, e o ensino religioso inevitavelmente haverá de desviar recursos da minguada formação cidadã, do direito da maioria dos jovens ao saber. E, por fim, faz-se necessário considerar que qualquer ensino religioso somente será vitalizante se for ecumênico, focalizando apenas a religiosidade, sem qualquer tendência para religiões específicas. Por isto, é necessário pensar muito bem na formação dos professores antes de o Estado se lançar numa irresponsável campanha com clara intenção eleitoreira". (Alberto Schor).
"As escolas particulares, confessionais ou não, optam por esse ensino na medida de sua conveniência. Obrigá-las a essa tarefa seria contrário à autonomia pedagógica pregada pela LDB. As escolas públicas só deveriam ocupar-se desse assunto na medida da curiosidade dos alunos, como fonte de ampliação do conhecimento das sociedades e do próprio homem. A obrigatoriedade aqui também é descabida, já que cada comunidade deve ter autonomia para deliberar sobre essa e outras questões. Existe nos parâmetros curriculares nacionais o que se chama de parte diversificada, onde esse e outros conteúdos podem ser contemplados de acordo com a conveniência da comunidade escolar. De toda forma, o ecumenismo e a abertura às diferenças de pensamento devem guiar quaisquer ações nesse sentido". (Leonardo Villela de Castro).
Tanto na primeira quanto nas opiniões seguintes se reforça a valorização do ensino religioso ecumênico, aberto a todas as religiões, respeitoso à diversidade e voltado para os princípios éticos e a dimensão cultural e humana da religiosidade. Mas percebemos, também nas opiniões uma crítica à decisão do estado de incluir o ensino religioso como uma nova disciplina escolar obrigatória.
Quando Alexandre Alves diz que as "escolas confessionais devem (...) e as leigas ou públicas podem oferecer..." não estaria ele criticando, sutilmente, a obrigatoriedade do ensino religioso, imposta agora por lei? E a crítica de Alberto Schor, sem dúvida mais contundente, ao questionar os custos com a nova disciplina, quando "o ensino público está extremamente deficiente" e o oportunismo político ("intenção eleitoreira") do governo do Estado, não estaria considerando outras prioridades para a melhoria do ensino público, que não o ensino religioso, ainda que reconheça sua importância? E, finalmente, Leonardo Villela, também enfático, considera "descabida" a obrigatoriedade.

Ensino religioso e cidadania

O ensino religioso poderia ser um bom instrumento no combate a "males sociais", como violência, desestruturação familiar e outros, e no resgate da cidadania? Assim pensam alguns dos participantes deste "Discutindo".
"As escolas devem oferecer ensino religioso, pois a nossa sociedade precisa dialogar sobre a falta de respeito com o ser humano na sociedade, os valores morais estão sendo deixados de lado, pois só encontraremos através de temas relacionados na educação religiosa". (Alessandra)
"Sou a favor que se tenha ensino religioso nas escolas, pois as crianças estão muito violentas e isso ajudaria muito, pois são trabalhados os valores do ser humano e eles precisam se valorizar mais. Deve ser dado de uma maneira criativa para que o aluno tenha prazer em aprender". (Maria Aparecida)
"Sim, acho que acima de tudo deveria ser voltada para o aspecto da importância da estrutura familiar, pois a família para mim é a base de tudo. Quanto ao aspecto religião, acho que deveria ser falado que devemos acreditar sempre num mundo melhor, sem egoísmo, sem ganância e sim mais amor ao próximo. Para mim esse seria o sentido da aula de religião na escola". (Andréa Fermiano)

A filosofia e outros pontos de vista

No entanto, houve participantes que apontaram outras formas de a escola abordar temas que dizem respeito à formação ética do cidadão, não sendo esse um atributo específico do ensino religioso, mas, por exemplo, do ensino da filosofia.
"Sou contra o ensino religioso nas escolas, do modo como se quer aplicá-lo, melhor seria ensinar filosofia, pois nessa ciência há espaço para se discutir religião de forma objetiva, sem que a abordagem seja tendenciosa. Cadê a filosofia nas escolas? Urge que se debata esse tema". (Helenice Cunha).
"Não concordo, a escola deve ser laica. Seria mais interessante o ensino da filosofia que já existe na grade do ensino médio, que fosse extensivo para o ensino fundamental". (Ana Lídia).
Também crítico ao projeto de ensino religioso do governo, Henrique Matiz aponta como solução a educação voltada para a formação de pessoas com "mente e corações abertos". 
"A falta de educação e cidadania é que influencia a crise em que vivemos. Uma pessoa pode ser ateia e também muito civilizada, respeitosa com o mundo, os outros seres humanos. Basta ser bem educada, ter a mente e o coração abertos. Infelizmente, com as escolas públicas na crise, as possibilidades de uma boa educação caíram muito. E o governo não age para reverter o problema. Seu projeto de inclusão de ensino religioso parece risível, pois se ele hesita em suprir a rede estadual de professores de matérias já existentes, por que está criando matéria nova? A prioridade deveria ser a nomeação urgente de concursados, com a garantia de recursos para pagá-los. Além disso, ensino religioso é realmente polêmico, como os colegas educadores bem expuseram. Parece um tanto inconveniente para o ambiente público, em especial pelo risco de proselitismo". (Henrique Matiz).

Conclusão

Reconhecendo a complexidade do debate sobre o "ensino religioso confessional" não pretendemos fechar ou concluir o tema, porque nos parece mais enriquecedor mantê-lo vivo, com suas contradições e opiniões tão diversificadas. Para isso, indicamos a leitura do artigo "Ensino Religioso sem proselitismo. É possível?" de Dora Incontri e Alessandro César Bigheto, que pode contribuir para uma melhor compreensão do assunto.
Publicado em novembro de 2003

Participantes

Alberto Schor, Alessandra, Alexandre Rodrigues Alves, Ana Lídia, Andréa Fermiano, Claudio Henrique Reis, Eni Silvestre, Helenice Cunha, Henrique Matiz, Leonardo Villela de Castro, Maria Aparecida, Patrica Helena, Sandra Candido e Simone Almeida.

Um comentário:

  1. São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

    Metade das escolas tem ensino religioso

    São 98 mil colégios, públicos ou privados, oferecendo a disciplina, segundo censo da educação básica do MEC

    Sem diretriz nacional sobre conteúdo, Estados e municípios adotam formatos diversos; lei veta só propaganda

    ANGELA PINHO
    DE BRASÍLIA

    "O que são as histórias da Bíblia? Fábulas, contos de fadas?", pergunta a professora do 3º ano do ensino fundamental. "Não", respondem os alunos. "São reais!"
    A cena, numa escola pública de Samambaia, cidade-satélite de Brasília, precede aula sobre a criação do universo por Deus em sete dias. O colégio é um dos 98 mil do país (entre públicos e particulares) que ensinam religião.
    O número começou a ser levantado em 2009, no censo da educação básica feito pelo Inep (instituto ligado ao MEC). Ao todo, metade das escolas do país tem ensino religioso na grade curricular.
    O fundamento está na Constituição, que determina que a disciplina deve ser oferecida no horário normal da rede pública, embora seja opcional aos estudantes. Escolas particulares não precisam oferecê-la, mas, se assim decidirem, podem obrigar os alunos a assistirem às aulas.
    Não há, porém, uma diretriz nacional sobre o conteúdo -a lei proíbe só que seja feita propaganda religiosa e queixas devem ser feitas aos conselhos de educação.
    Assim, Estados e municípios adotam formatos diversos. Uns põem religiosos para dar as aulas; outros, professores formados em história, pedagogia e ciências sociais.
    É o caso do DF, onde a orientação é que não haja privilégio a um credo -embora a aula em Samambaia possa ser considerada controversa.

    DISCUSSÕES
    A conveniência de se oferecer ou não o ensino religioso é, sim, algo controverso.
    Uma das maiores discussões ocorreu em 1997, quando, meses antes da visita do papa João Paulo 2º, o governo federal retirou da lei dispositivo que proibia o Estado de gastar dinheiro público com o ensino religioso.
    Em 2008, nova polêmica surgiu quando o Brasil assinou com o Vaticano acordo que previa que "o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
    A controvérsia foi a menção explícita ao catolicismo, vista por alguns como privilégio a uma única religião.

    SUPREMO
    Para Roseli Fischmann, professora da USP, a disciplina fere o caráter laico do Estado. "Precisaríamos ter a coragem de aprovar emenda que a retirasse da Constituição", afirma.
    Presidente do Fonaper (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso), Elcio Cecchetti defende a disciplina sob o argumento de que as crenças ou a ausência delas são "dados antropológicos e socioculturais" que devem ser ensinados, mas sem privilégio a uma religião.
    A polêmica chegou à Justiça. Desde o ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa ação em que o Ministério Público Federal pede que determine que o ensino religioso só possa ser de natureza não confessional e proibindo que religiosos sejam professores.
    Próximo Texto: Casal de ateus faz acordo e escola libera filhos de aula

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